José Pinho é o diretor artístico do 5L, o festival que, devido à pandemia de covid-19, viu a sua programação adiada por um ano. Contudo, o evento prepara-se para celebrar o primeiro Dia Mundial da Língua Portuguesa, que se assinala em 5 de maio — a data foi ratificada, em novembro passado, pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura). Pinho acredita que este reconhecimento é um passo para tornar o português língua oficial da ONU (Organização das Nações Unidas). O livreiro fala numa maior proximidade entre escritores, que pode empurrar as instituições lusófonas para que interajam melhor.

Maria João Costa

A UNESCO declarou o dia 5 de maio Dia Mundial da Língua Portuguesa. Poderá ser um motor para alavancar o valor do português?

Acho muito importante, e já deveria ter sido há mais tempo. Pode dar um contributo importante para o reconhecimento que espero vir a acontecer. O português tem quase 300 milhões de falantes e deveria ser considerado uma das mais importantes línguas do planeta. Penso que o gesto da UNESCO pode contribuir para que, nas outras instâncias internacionais, o português passe a ter a importância que não teve até hoje.

Será um passo fundamental para tornar o português uma língua oficial da ONU?

Pode ser decisivo. A UNESCO é um organismo da ONU, e este reconhecimento já contém em si essa possibilidade. Na sessão de dia 5, vamos ter, além do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o embaixador de Portugal na UNESCO, António Sampaio da Nóvoa. Pode ser que nos elucide, ou nos acrescente mais informação, sobre aquilo que está, ou não, em andamento.

Pode contribuir para uma maior aproximação dos países de língua oficial portuguesa?

Há vários organismos que reúnem os países lusófonos. A CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), a UCCLA (União das Cidades Capitais Luso-Afro-Américo-Asiáticas), etc. Há várias instâncias onde essa aproximação é tentada. Até no Acordo Ortográfico! Tanto quanto sei, as coisas não são assim tão fáceis nessa partilha de pontos de vista, sentarem-se à volta da língua portuguesa como se fosse a sua pátria. Pode ser que o dia 5 de maio os anime. Espero que alguma coisa diferente possa acontecer.

Mas acha que há ligação e proximidade entre os editores dos vários países lusófonos?

Acho que sim. Ao contrário do que se possa pensar, mesmo havendo edições diferentes entre Portugal e Brasil, países onde este setor está mais avançado, aquilo a que tenho assistido nos últimos anos é uma aproximação enorme entre escritores. Isso é incontestável. Acho que, na edição, também está a acontecer um pouco isso.

Há maior circulação de autores no espaço lusófono?

Em Portugal, editam-se autores brasileiros que ninguém conhecia, ou que não fazia ideia que existissem. O mesmo aconteceu no Brasil. Lembro-me do sucesso estrondoso de Valter Hugo Mãe e José Eduardo Agualusa, ou de outros autores de língua portuguesa que, há dez anos, ninguém sabia quem eram. Há esse intercâmbio, e é feito pela base, não pelas instâncias superiores, nacionais e supranacionais.

Os festivais literários têm também esse papel?

Essa aproximação tem acontecido, de facto. Olhando para os festivais literários, os de Portugal têm cada vez mais autores brasileiros e os do Brasil têm sempre muitos portugueses. Essa aproximação entre falantes e escritores está, de facto, a acontecer. E é por estar a acontecer que se empurram as instâncias a se aproximarem também.

Isso não se passa tanto com outros países de língua oficial portuguesa? É mais entre Portugal e Brasil?

Acho que sim. Não é por acaso que há editoras portuguesas — umas mais bem-sucedidas, outras menos — que se instalaram no Brasil, e outras brasileiras ou pertencentes a grandes grupos editorais brasileiros que se instalaram com mais força em Portugal. O mesmo acontece com livrarias brasileiras que se instalaram em Portugal. Além disso, há um intercâmbio muito grande entre os povos, e que ia no bom sentido. Agora, com a pandemia, há um intervalo meio absurdo, mas espero que, quando a mobilidade for restabelecida, se retome esse intercâmbio e se façam cruzamentos culturais. Até podem ser feitos pela internet com mais facilidade, mas falta o cheiro, o tato, o olhar.

Como será o evento programado para 5 de maio? Será uma edição zero do Festival 5L?

Decidimos concentramo-nos só no Dia Mundial da Língua Portuguesa. Escolhemos fazer uma sessão de abertura, duas mesas e duas curtas-metragens para animar as hostes. Depois a programação que pensámos irá manter-se para o ano.

Porque é que o Festival se chama 5L?

São vários L. Não é só o Livro, é também a Língua, a Literatura, as Livrarias e Leitura. Lisboa será o sexto L!

O que farão neste 5 de maio, com os constrangimentos deste confinamento?

Teremos uma curta-metragem, A Língua Portuguesa a Gostar Dela Própria, de Tiago Pereira, com as recolhas dialetais que estão disponíveis no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa ou nos arquivos do Tiago. Será exibido depois da sessão inaugural, onde eu, como diretor artístico, participarei, bem como o presidente da Câmara Municipal de Lisboa e o embaixador de Portugal na UNESCO. Depois haverá uma mesa dedicada às «Viagens da Língua Portuguesa», e outra à «Literatura de Reconstrução». Esta última, introduzida por causa do que está a acontecer, será sobre o papel da literatura e da edição em tempos de pós-calamidade, e de «coronavirismo». Nas duas mesas, tentamos ter representantes dos diferentes países da língua portuguesa. Teremos também um outro filme, Vozes de Português, que mostra as variedades da língua portuguesa. É uma curta-metragem com o mesmo texto lido por pessoas de diferentes países ou regiões de Portugal.

Este evento terá uma estreita ligação a livreiros e bibliotecas. Qual a importância de uma forte rede de bibliotecas, livrarias e alfarrabistas na vida da cidade?

A ideia original da proposta e da Câmara era envolver neste festival os diferentes agentes culturais. Tem que ver com salas de cinema, teatro, livrarias históricas e menos históricas, cafés literários, bibliotecas municipais e eventualmente a Biblioteca Nacional — ou seja, todos são chamados a participar. Por um lado, aceitando a programação que propomos, mas também eles próprios podem programar outro tipo de atividades naquelas datas.

Que outra programação tem prevista para o próximo ano?

Fizemos uma seleção de cinco filmes, cada um relacionado com o seu L. É uma ação em conjunto com o IndieLisboa e, como o festival de cinema ainda se irá realizar este ano, teremos então um segundo momento do 5L em 2020. Encomendámos também cinco peças de teatro aos escritores Afonso Cruz e Jacinto Lucas Pires. Um fez peças para livrarias históricas, o outro para cafés literários. Isto ficará tudo para ser apresentado em 2021, já que esses espaços estão agora encerrados.

A programação do 5L terá assim de esperar?

Sim, o festival foi «atropelado». Vamos pôr-lhe mel e canela para ficar assim meio «confitado», e depois vamos saboreá-lo no próximo ano.