Um dos eixos da política pública cultural traçado por Catarina Vaz Pinto é a promoção do acesso alargado à cultura. Incentivar a leitura é uma prioridade da vereadora da Cultura de Lisboa, que aposta na rede de bibliotecas municipais como territórios de proximidade. A responsável diz que quer que o Festival Literário 5L «sirva para consolidar o trabalho desenvolvido na leitura e promoção do livro», e acredita que o reconhecimento da UNESCO do Dia Mundial da Língua Portuguesa é um passo crucial para tornar o português um idioma da ONU.
Maria João Costa
Qual a importância de a UNESCO ter decretado o dia 5 de maio Dia Mundial da Língua Portuguesa?
É muito importante, na medida em que se trata de uma organização internacional cultural que reconhece o peso cultural desta comunidade de mais de 280 milhões de falantes e leitores. Reconhece a dimensão imensa da língua portuguesa, que está entre as mais faladas do mundo — creio que é a sexta mais falada — e tem tido um crescimento muito grande no hemisfério sul.
Será mais um passo para se tornar uma língua oficial das Nações Unidas?
Será, certamente. Seja como língua de trabalho, de negócios, de partilha de ideias ou de criatividade. Este reconhecimento é um passo maior nesse sentido. Haver muitas pessoas a falar português no mundo globalizado gera um potencial de criação de riqueza.
Como vê o facto de o Brasil liderar essa expansão do português pelo mundo? Portugal tem feito pouco?
Pode sempre fazer-se muito mais. Temos de perceber a nossa dimensão. Apesar de termos sido noutros tempos os exportadores da língua, na verdade hoje somos um dos países mais pequenos dessa prática. Temos de trabalhar em colaboração, para que o português tenha visibilidade e projeção internacional. É certamente difícil compararmo-nos com o Brasil, pois é uma potência económica maior que Portugal, dada a sua dimensão.
Este Dia Mundial pode aproximar os países lusófonos?
Já há uma Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que é a CPLP, que pretende fazer isso. Diria que o Festival Literário 5L e este reconhecimento da UNESCO, entidade externa à própria comunidade, são importantes para consolidar esse potencial, dinamizá-lo e dar-lhe uma maior progressão internacional. Temos de ter mais iniciativas e uma voz mais ativa nos vários fóruns internacionais.
Qual o papel da literatura nessa aproximação?
A literatura é decerto muito importante, sendo que os países também têm uma capacidade diferente em termos editoriais e há questões relacionadas com a circulação dos livros neste espaço. Estamos a falar de países em continentes diferentes e há toda uma outra infraestrutura jurídica e comercial que ultrapassa a questão do livro. Mas, também aí, a globalização e as novas tecnologias permitem que a circulação se faça com uma abrangência maior. Acho que é uma oportunidade.
O evento 5L, em tempos de confinamento, é uma resposta à necessidade de oferta cultural na área da literatura?
Não quisemos deixar de assinalar a data, nestes tempos de confinamento. Pareceu-nos que não faria muito sentido fazer uma edição completa do Festival 5L, uma vez que queremos dar outra visibilidade à primeira edição.
O evento terá uma estreita ligação aos livreiros e às bibliotecas da cidade?
Pensamos o 5L para, através dele, fazer a ligação dos vários eventos da área do livro e leitura que, ao longo do ano, acontecem na cidade e ligar todo o trabalho que desenvolvemos nas bibliotecas e nas escolas, mas também a iniciativa «Ler em Todo o Lado», o trabalho da Casa Fernando Pessoa com a Feira da Poesia, ou a Feira do Livro de Lisboa. Queremos que o 5L sirva para consolidar este trabalho desenvolvido na leitura e promoção do livro.
Irão ainda este ano promover iniciativas do 5L?
Vamos manter o que estava programado com o IndieLisboa e começar a trabalhar com as escolas, em setembro ou outubro, ou com as famílias. Adaptamo-nos, como todos os agentes culturais, a este modelo de confinamento total que agora existe, e adaptar-nos-emos a um modelo de confinamento limitado, que irá acontecer nos próximos meses.
É importante trabalhar com a rede de bibliotecas, livrarias e alfarrabistas?
Sim, acho que é diferenciador neste Festival 5L, e o próprio nome o indica. Língua, Literatura, Livro, Leitura e Livrarias. Sempre foi a ideia de ligar estes agentes ou meios de promoção do livro, e reforçar a importância da literatura como meio de interpretação e conhecimento do mundo. A literatura tem a capacidade de definir a nossa identidade pessoal e coletiva, faz-nos crescer como cidadãos.
Recorrer à rede de bibliotecas de Lisboa é determinante?
Certamente. O trabalho que temos vindo a fazer nas bibliotecas é um princípio fundamental daquilo que queremos fazer na cidade em termos de política cultural. É promover o acesso, tão alargado quanto possível, à cultura, e as bibliotecas são o espaço onde esse acesso é mais óbvio e imediato. São equipamentos que se encontram dispersos na cidade, e nós queremos chegar a todos os Lisboetas, levar o livro a todas as camadas da população, que normalmente não está tão desperta para fruir deste bem essencial.
As livrarias estão a viver, com esta pandemia, um momento crítico. Muitas podem não sobreviver à crise. De que forma pode ajudar a celebração
do dia 5?
Uma parte das políticas públicas tem que ver com essa ideia de promover a leitura e o livro. Acho que este dia é importante por esse motivo e terá por si efeitos indiretos, para que as pessoas tenham esse interesse e necessidade. Todos estes eventos pretendem, como objetivo último, criar o gosto pela leitura e pelos livros. Quando se começa a gostar, percebe-se que é indispensável. É um trabalho a montante do ciclo, da cadeia económica do livro. Se não há leitores, nada do resto acontece.
O Festival 5L só ganhará o seu formato de estreia para o ano?
O festival, no seu formato completo, vai esperar por maio do próximo ano, mas vai ter este ano algumas iniciativas que o farão manter-se ativo. Já a começar em agosto, com o IndieLisboa, e depois, a partir de setembro ou outubro, com o projeto Caixote: um conjunto de 25 livros e de instrumentos de interpretação desses livros que se fará nas escolas, se for possível, ou com as famílias, através das bibliotecas.